Chafariz da Legalidade 

A construção em tijolos e pedra sabão hoje instalada na Praça dos Expedicionários lembra um tempo em que ainda não havia água encanada em São João del-Rei e marca um período importante da história da cidade. 

A construção

Neste local, o chafariz nunca jogou água, mas quando foi instalado em 1834, no final de um aqueduto, na praça Severiano de Resende (antigo Largo Tamandaré, em frente ao Museu Regional), ajudava a matar a sede de quem passava pela então Praça da Praia, às margens do Córrego do Lenheiro. 

A construção fechava o sistema de dutos de água que seguia sobre arcos desde a Ponte do Rosário até a praça, importante ponto de chegada na cidade. Por causa do formato, o aqueduto também era chamado de arcoduto. No trajeto, a água que vinha do Córrego da Água Limpa, passava pelo “chafarizinho” do Largo de São Francisco, quando ainda nem havia o adro.  

Quase em frente ao ponto em que foi instalado originalmente o chafariz, onde está hoje a Ponte dos Suspiros, em frente à Escola Estadual João dos Santos, havia uma escadinha de seis degraus, ainda existente, que facilitava o acesso das lavadeiras ao córrego, “tradicional lavanderia da cidade”, como informa o inventário feito pelo município na ocasião do tombamento do chafariz.  

Em 1895, com a chegada da água encanada, o aqueduto foi demolido e o cais, construído em seu lugar. O chafariz foi desmontado e, em 1942, veio para a Praça, na época chamada dos Andradas. A casa da esquina, onde hoje é um posto de combustível, era do fotógrafo André Belo e ainda estava de pé nessa época (foto). O edifício São João ainda não havia sido construído. 

A história

Único chafariz de pedra ainda existente no município, o Chafariz da Legalidade foi construído por ordem da Câmara Municipal para marcar o período em que São João del-Rei foi por 51 dias a capital da Província de Minas Gerais, entre 5 de abril e 22 de maio de 1833, durante a chamada Sedição Militar de Ouro Preto ou Revolta da Fumaça, numa referência ao forte nevoeiro que toma conta da cidade nessa época do ano.

O professor, escritor e pesquisador sanjoanense Antônio Gaio Sobrinho conta que nesse período o Brasil vivia um tempo de grande agitação política, durante o chamado período da Regência, que vai de 1831, quando D. Pedro I abdica do trono, até 1840, quando o filho dele, D. Pedro II, finalmente assume o império português, com 14 anos. Entre os dois reinados, uma série de revoltas eclode em diversas províncias brasileiras, como a Revolta dos Malês e Sabinada (BA), a Cabanagem (PA e AM), a Revolução Farroupilha (RS e SC) e a Balaiada (MA). A Revolta da Fumaça, em Ouro Preto, é uma dessas várias rebeliões contra o poder central e São João del-Rei sai em defesa da legalidade e pela manutenção do governo da província de Minas Gerais.

Entrevistado para o documentário do Mapa do Patrimônio sobre o Chafariz, o professor Gaio conta como foi a sedição militar de Ouro Preto, então capital da Província de Minas Gerais.

“Eles aproveitaram a ocasião em que o presidente de Minas, Manoel Inácio de Melo e Souza, se encontrava em Mariana e tomaram o poder. O vice-presidente, Bernardo Pereira de Vasconcelos, acabou viajando para o Rio e parando em Barbacena. Foi quando São João del-Rei soube dessa rebelião em Ouro Preto – a rebelião aconteceu no dia 23 de março e a notícia chegou à cidade no dia 27. Imediatamente a Câmara de São João del-Rei se posicionou em defesa do governo legal e se declarou em sessão permanente durante dez dias memoráveis, por sinal, e oficiou ao presidente e ao vice. 

A Câmara foi a Barbacena em comissão para convidar o vice-presidente para vir a São João del-Rei para estabelecer aqui a capital. E ele veio. Então no dia 5 de abril se estabeleceu em São João del-Rei a capital de Minas Gerais. Cinco dias depois veio o próprio governador e também ficou daqui administrando o estado e organizando uma contraofensiva aos revoltosos de Ouro Preto, convocando todas as câmaras das vilas mineiras, que acorreram ao chamado dele. Organizou-se, então, uma força de 600 homens, que fizeram uma caminhada forçada e enfrentaram lá os sediciosos que devolveram a ele o poder. Com isso, São João del-Rei, no dia 26 de maio, entregou a Ouro Preto o poder da antiga capital. 

No ano seguinte, em 1834, a câmara resolveu comemorar esse fato, que ela considerava uma sublime devoção à lei, em favor da legalidade, criando uma obra publica útil, que é o Chafariz da Legalidade.” 

O risco do Chafariz da Legalidade, que traz o ano em que São João del-Rei foi capital da Província (1933) e o símbolo de Portugal (uma coroa), além de serpentes e carrancas, uma tipologia comum dos chafarizes deste período, é de Venâncio José do Espírito Santo, importante artista local, conforme recibos encontrados nos livros da Câmara Municipal. 

A Revolta de Carrancas

Em um vídeo complementar a essa história, o professor Gaio conta ao Mapa do Patrimônio um pouco mais sobre as revoltas regenciais e lembra um fato marcante desse período em que São João del-Rei foi capital da Província, a Revolta de Carrancas.

Ele conta que um grupo de escravizados da região do Sul de Minas, próximo a Carrancas e a São Tomé das Letras, ao saber da Revolta em Ouro Preto, talvez imaginando que fosse um movimento pela libertação, como já começava a aparecer em alguns lugares do país, se rebelou contra a família Junqueira, dona das fazendas Campo Alegre, Bom Jardim e Bela Cruz, em que viviam. 

O grupo assassinou toda a família, incluindo mulheres e crianças, numa chacina que marcou o período. Dezesseis negros rebeldes foram condenados à pena de morte na forca. Como São João del-Rei era, nessa ocasião, a capital da Província, acabou como palco desse enforcamento realizado no local que hoje é conhecido como Morro da Forca. 

Fotos:

  1. Imagem antiga Largo do Tamandaré APM
  2. Imagem antiga do Chafariz de São Francisco
  3. Imagem antiga da Praça dos Andradas
  4. Imagem atual do Chafariz
  5. Detalhe do Chafariz

(Tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de São João del-Rei, em 7 de março de 2002. Processo 48, Decreto 2.763 confirmado pelo Decreto 9.670, de 7 de dezembro de 2021.)